Reflexão enquanto revela

Quando decidimos apertar o disparador e fazer uma foto, múltiplas possibilidades se abrem. Vou destacar duas, pois se encontram relacionadas a experiências recentes pelas quais passei.

Primeiro pode acontecer que a foto realizada não apreenda o espectro de sentidos que vivenciamos. Algo pode nos despertar um sentimento e ao ver a foto daquele momento, podemos não sentir absolutamente nada do que nos moveu a fotografar.

Há pouco tempo, durante uma viagem, muitas vezes fui sacudido por impactos no sensível. Lugares e situações que me causaram uma satisfação arrebatadora de experiência com o mundo. Alguns momentos se apresentavam a mim, na colossal inapreensão do real, crua medida que muitas vezes ouso transfigurar em retalhos. Nestas ocasiões, contra todos os meus sentidos de fotógrafo, guardava a máquina instintivamente, como que movido por um sentimento de preservação do próprio sentimento, naquela forma exata na qual ele se apresentava.

Preferia deixar marcar no ser, essa superfície mutável, incompleta, falível e perene.

Outra situação, essa quando literalmente apertamos o disparador e expomos o resultado para outras pessoas, é que as mais diferentes leituras poderão ser efetuadas.

Bem, nada mais natural para uma linguagem, que ela proporcione múltiplas leituras. Porém, quando se trata de um trabalho de grande visibilidade, onde formadores de opinião, em veículos hegemônicos, exercerão o sagrado poder da crítica, podemos presenciar leituras bastante deformadoras.

A fotógrafa Nan Goldin, tem seu trabalho exposto no Museu de Arte Moderna, aqui no Rio de Janeiro, depois que outro espaço da cidade censurou as obras.

Logo o fato da censura tomou o centro das discussões e passou a ser o motivo incentivador na mídia para convidar o público à mostra.

Chamadas sensacionalistas falando de sexo, crianças, violência, homossexualidade, drogas e travestis, foram mobilizadas para chamar a atenção de um público cada vez mais ávido por oportunidades de destilar sua alienação em catarses com moldura Cult.

Nenhuma chamada falou sobre o Tempo, a Amizade, a Intimidade, a Confiança, a Dignidade, e principalmente o Amor, que transbordam das fotos de Goldin.

Cinismo? Intencionalidade? Ou mais uma leitura possível?

Entre fotografar ou não, existem medidas razoáveis, que dependem do momento e do que pretendemos com cada clique. Exercitar outras formas de apreender o visível pode ser um ótimo exercício para fotógrafos nestes tempos de tempestades torrenciais de imagens.

Ao clicar posso escolher infinitos modos de exposição, minha e do meu trabalho.

Ao deixar de clicar posso continuar a ter a foto, como ensinou Bresson, no alinhamento de minha cabeça e meu coração.

Utopia?

Por Bruno Morais

Sobre Coletivo Pandilla

Coletivo Fotográfico – Intervenções com imagens.
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4 respostas para Reflexão enquanto revela

  1. Rosa Cristina disse:

    Lido e alinhado!

  2. Erika disse:

    É isso! Não sou fotógrafa mas ando com a máquina em punho, se não um celular. Através das lentes, as vezes, consigo captar um sentimento, só meu. Ou uma visão só minha. Sejam linhas, ângulos, rostos ou paisagens, guardo o que estou pensando e nem sempre vivenciando.

  3. h³dIAS disse:

    Bruno, penso que você está em um processo sem volta de amadurecimento enquanto pessoa, profissional e acima de tudo, como ser humano.

    Utopia é se acreditar nas crenças de outras pessoas e fazer delas as nossas crenças, sem ao menos perceber que nada existe além do umbral entre os que estão na vida à passeio e os que se expõem e/ou também se preocupam com suas posições diante dos acontecimentos.

    A imagem fixa e/ou movimento, são quase que o tempo todo nossa rota de comunicação de mão dupla com o mundo em toda a sua efervescência.

    Cabe deixarmos de ser meros observadores e assumirmos nossa participação/ação pois tudo se “revela” diante dos olhos e/ou do olhar sensível que estar por se revelar. Acima de tudo, sua reflexão emerge pela memória latente entorpecida em nosso âmago. Nada faz sentido sem a apropriação do que está residente na memória, nada nos fará recordar, sentir, desprezar, vivenciar, amar, odiar, enfim… Nada terá sentido, mas não como sinônimo de coisa alguma, e sim como ausência de sentido e de afetamento.

    Parabéns pelo exercício de “espelho” que você está praticando… Consciente ou inconscientemente é uma bela ponte para o melhor se perceber, assim sendo se aceitar e se aceitando compreender as diferenças, convivendo com elas de forma menos reativas/impulsiva, pois só assim somos capazes de estarmos por inteiro em nossas ações, sem nos deixarmos levar pelas capturas vis de nossas “lentes-retinas” que tanto para baixo como para cima, elas nos são aliadas e/ou inimigas, e também nos ensinam que o macro e o micro universo também possuem os seus limites de uma percepção/ação menos atenta.

    Esse aprendizado ao qual me referi nas primeiras linhas dessa resposta, é perene assim como a percepção de que vivenciamos aquilo que experienciamos em toda a sua magnitude e simplicidade, assim como sua dor e prazer.

    Frt Abrç,
    h³dIAS

  4. Eliana Antunes Sampaio disse:

    Muito bom.O amadurecimento profissional está em alta em seu ser

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